sábado, outubro 20, 2007

Sincopada

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Sincopada esquizóide é a vida,
maleva,
ô troço bom...
Porque no fim das contas
o masoquista é o inteligente:
todo bem estar prolongado é fruto
de alguma neurolingüística que em nada
nada
se confunde com a visão larga
das coisas.

Ô coisa que se respira fundo
ávido
é a vida,
coisa que se bebe em largos sorvos,
com o espaço e o tempo de
toda a delicadeza
e toda a reação abrupta
das coisas que são:
serpenteia no ar a paixão de existir assim,
tão parco de medida.

Ô vida puta:
primeiro diz quanto custa,
te usa, lambuza,
depois sussurra:
contigo trepava de graça.

(Já não dá para negar a paga)

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terça-feira, outubro 09, 2007

A visita

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A morte me visita.

No semblante alheio,
cheio de vida,
a Dama dos Dias abana;
na relva inédita de cada aurora,
dá bom dia.

Como dói a morte
em quem não morreu.

É tão presente a morte
nas coisas que não serão,
nas coisas que não terei,
na entrega difícil que o tempo adia,
nas musas que cobram um caro suspiro irrecuperável de poesia,
nas nuvens
(que levam meu tempo).

A morte me visita.

E tão revestida de beleza,
preparada para minhas fraquezas:
feminina.

Dona da minúcia da miséria da con(tra)dição humana,
urbana: para o tempero dos meus dias,
morte que preme meu peito
em cada saia transeunte,
em cada vislumbre de derrota,
em cada desmedida alegria.

Na ausência pressentida do epitáfio
a morte me visita.

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segunda-feira, setembro 17, 2007

Ter do que lembrar

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Do álbum de retratos que
minha mãe mostrou
restou a obra de ficção:
o bebê gordinho,
a criança saudável,
o adolescente dócil e
o jovem com meu rosto
contam alguma outra história.

(falta até a memória
de onde e quando
aprendi a reconhecer docilidade)

Lembrei mesmo quando vi a foto
do casamento da prima-irmã
da minha bisavó,
Júlia:
já quase em pedaços
me trouxe de volta os traços
de um poema que vivi.

(Prima Júlia era tão bela...
Ainda ontem cruzei com ela
numa esquina dentro de mim)

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quinta-feira, agosto 09, 2007

(Poesia) rapidinha

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Só tive o tempo
de esquecer o temperamento
usualmente ponderado
me perder
e cair nos braços de
sei lá que selvageria

Só estive atento
às coisas básicas
mãos para tocar
olhos para ver
língua para o paladar
e sangue para a fortaleza

Só tive medo
depois de acabar
perder o que lembrar
saber o que esquecer
silêncio para o adeus
e dedos pra poesia.

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sábado, julho 28, 2007

Poesia de amor

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Que ventos sopra a
poesia
para esses lados?
Ventos de Eros
Vênus
ou de pressa
aporrinhação
e outros venenos?

Parece inclusive
já esta no catálogo de patologias registradas:
poesia precoce:
há provas palpáveis
letras
título
autor até
mas falta o gozo
do outro da relação...

Ah, a agudez do encontro
o desejo em riste
a monomania deletéria efêmera
do corpo alheio
e o vocabulário tão mais simples dos amantes
cheio de brutos silêncios:
a boa e velha poesia
esta sim
necessária à preservação da espécie.

(E no fim, a eternidade...)

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terça-feira, julho 24, 2007

A Perdida

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A poesia é a criança
pequena que se perdeu no parque
e urge achar os responsáveis
e investe as esperanças nos corações
e mãos de homens
e mulheres transeuntes
e aos seus ouvidos berra
e chora
e sapateia
o poema...

(Quer voltar pra casa, há séculos...)

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As vinganças e suas pequenas grandes desproporções

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Ele disse que
eu ficava tão linda
sem sorrir
:
valorizava a melancolia inerente
aos meus olhos
sempre úmidos...

Desconfiei de algo com os meus dentes tortos

Suas últimas palavras foram
"no cu não!"

(Acho que nunca rirei tanto)

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terça-feira, julho 17, 2007

Vinho

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Ah, maldito seja o vinho
que acaba,
como a poesia que nos embriaga
e passa eras sem exalar seu vapores,
maldita a carne que se insinua
e não se revela:
quiçá o exemplo mesmo da permanência...

Maltitos sejam os poetas malditos
e os escomungados que usam essa palavra
maldita
quando o que os acalenta é a ternura simples do olhar faminto
de cumplicidade
que só aos desejosos -
os poetas -
é dado conhecer...

Maldita seja a memória que esqueceu que o assunto
é vinho
e que ao contrário do vinho
só piora com o tempo
enquanto a poesia,
ah, a poesia,
se insinua em contornos táteis
inescrupulosamente
permanentes...

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terça-feira, julho 10, 2007

De Passagem

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Deixo de passagem
um beijo
na abscuridade do abismo
peço
perdão
pela
pressa
"mas pra semana prometo talvez nos vejamos quem sabe"...

Deixo de passagemo
olhar das mães órfãs
que sempre esperam
sempre esperam
sempre esperam...

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quarta-feira, julho 04, 2007

A linha debaixo

Vem da linha debaixo o desejo
de cobri-la (descobri-la),
linha branca que esconde
os sonhos ainda não tidos,
a palavra que urge sair,
o retrato da musa que encontraremos
ao irmos embora daqui

Deve-se à linha branca, vazia,
como a um mundo de outras coisas,
o poema...
Está na linha em branco o desenho
dos seios roliços firmes volumosos pululantes no decote
e a indefinível dor que coisas como essas causam,
como fosse todo o verbo sobre a vida
e os demais mistérios
não mais que uma linha em branco
prolixa em seu desrumo

A linha de baixo é a linha de chegada
da próxima idéia,
que às vezes teima, teima, teima...
A concisa expressão da odisséia,
a catástrofe pressentida,
a fadiga do dia,
a ansiedade da estréia,
a pontinha de inveja
e a pequena saudade que deixa a finda poesia



Leonardo M. Paredes

terça-feira, janeiro 23, 2007

Atropelamento

E ela simplesmente,
sem prévio aviso
ou qualquer autorização,
fez o dia escurecer
o doce murchar
e a beleza em geral
ficar assim,
meio desconfiável,
de segunda mão...

(Exijo indenização!)


Nardo

sábado, janeiro 20, 2007

Poema do ônibus 2006

Entre os dentes

Deixa a identidade, deixa a escova de dente,
traz teu leve desejo de ser minha por enquanto.
Lembra dos meus olhos que dizem sim,
te aninha em mim como o mundo parasse,
faz de mim necessário como o perfume do teu cobertor de estimação,
não a odiada mancha na tua roupa preferida,
imperdoável...

Repousa entre os dentes tua língua mágica
antes da pronúncia ridícula do meu nome
com ares de tédio e fim.
Entre os instantes de indefinição que vem,
lembro das promessas que fizeram tuas pernas,
infinitas, e agora o que sobra é procurar a meia esquerda,
não achar,
e vagar sem lembrar o caminho de casa...


Leonardo M. Paredes

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Poeminha de última hora

Antes
um pouquinho antes
do apagar das luzes
da aurora
da queda
do grito
e do revelador suspiro

Um pouquinho
bem pouquinho antes
da lágrima
do corte
do trote
do beijo
e do inevitável silêncio

Antes
na última hora
um mero átimo antes
do fim
e do adeus
enfim
deixo
pequeninha assim
a nesga de poesia
que havia em mim...


Leonardo M. Paredes
O Flerte

Ah, maldito flerte inconsumável
prisão sem grades
sem sol quadrado
paixão inexplicável-necessária
como a do cão
pelo cio

Ah, poesia minha
quantas vezes estive prestes
a arrojar-me em teus braços?
Quantas vezes escorreram
por esses afoitos dedos
os morenos fios dos teus cabelos?

Ah, cidade dos meus dias
que ocultas versos em bueiros
esquinas
ruas que materializam moças
inéditas
e as fazem evaporar impreterivelmente
versos imundos
como os amo

Ah, labirinto irresoluto
ciciante
de melodias
palavras
fêmeas
maldito flerte com a poesia
não jorra
nem desocupa a moita!


Nardo





Recado

A Poesia
manda recado:
quer que dêem conta
de que não aprecia
silêncios prolongados
ausências eternas
fugas despropositadas
afrontas públicas
e
talvez principalmente
quando fingem
desconhecê-la...

E mais:
para quem ainda não percebeu
manda dizer
que não escreve nem lê
nunca soube
nem saberá...

(Sempre vai de carona)


Leonardo M. Paredes

terça-feira, janeiro 16, 2007

Das Palavras

Sim, sim, quem sabe, talvez, deus querendo, esse espaço trará palavras.

Mais além, mais além, calma lá...

Até mais ver

Nardo